quinta-feira, 11 de março de 2010

O PESCADOR DO CATARINA E O METEOROLOGISTA FAMOSO

Um relato interessante, do ponto de vista de um pescador, que vivenciou a chegada do Furacão Catarina em 2004 enquanto pescava na praia:

Parecia mais um dia normal de pesca no litoral norte gaúcho. Iscas frescas. Peixes. Parceria. Tudo corria bem, parado e quieto. Até que coisas estranhas começaram a acontecer.
Geralmente, dizemos que “hoje o mar está tocado de sul”, ou “tocado de norte”. Uma condição perdurável. Conforme a força ajusta-se o peso do chumbo ou altera-se a bitola da linha. Após lançarem, os pescadores notaram que suas linhas corriam para o sul e logo após tinha certeza que estavam derivando para o norte. Repentinamente, para o sul de novo. Depois, outra vez, para o norte. Um fenômeno espantoso.
Pouco antes, na estrada, escutavam a programação esportiva pela radio Gaúcha. Mas, interromperam a transmissão para um informe extraordinário. Um aviso de clima severo. Seria um ciclone extratropical. Assustaram-se os pescadores Raug e Iotti, a bordo do Cruzador Fantasma, rumo ao litoral. Seria o fim da pescaria? Nada disso! O Cléo Kühn entra na transmissão para tranqüilizar a todos, dizendo, em tom “descontraído”, que seria “um ventinho”. Maravilha então, nada de furacão. Um furaquinho, talvez?
Lá pelas tantas, o Raug pega um peixe inesperado, muito singular para o lugar aonde pescavam, um sargo-de-beiço, que não ocorre naquela região arenosa do litoral gaúcho. Ao contrário, habita junto aos costões e ambientes pedregosos, parceis, etc. Não ali, na praia de fundo de areia. Como se perdera? Intrigados acompanhavam os movimentos das linhas sendo puxadas pelo mar, ora para o sul, ora para o norte. Indecisas.
O Iotti, desconfiado, comenta com o Raug que se lembrara de uma feita, talvez a única, quando interromperam a programação esportiva para um anuncio extraordinário. Fora há muito tempo. Um domingo, em 1957 ou 58. Era um jogaço que estava sendo transmitido pela radio Guaíba. Alguém ligou para a difusora para dar um aviso importante. A pessoa que ligara teria “sotaque de padre”, uma voz velhinha, calma e triste. Talvez lembrasse a do personagem Irmão Benildo, do próprio Iotti. E a voz consternada dera a morte, naquele momento, de Dom Vicente Scherer.
Fez-se tocar a chamada do “Correspondente Renner”, noticioso de grande prestígio por décadas, (quem não se lembra da vinheta?) em edição extra:
– E atenção: Vítima de um insulto cardíaco faleceu há poucos instantes sua excelência reverendíssima Dom Vicente Scherer. E atenção que vamos repetir...
Todos os sinos de igrejas foram tocados, da capital ao interior, anunciando o que era um trote... Seria uma nova “barrigada”?
...Trec. Trec. Treiiim. Dispara o alarme e corre a linha da carretilha. O Raug tenta dominar a situação. Fechando o freio, mas sem travar totalmente. A linha corria, dando puxadas fortes. O peixe da pescaria! E vai linha. E o mar começa a recuar. E a linha saindo da carretilha com força. Recuando. Soqueando a ponta da vara. Recuando. Cabeceando e a linha pela metade. O peixe de uma vida! E a maré recuando. Mas, nessas horas não há o que fazer. Para não perder o peixe é necessário acompanhar e deixar correr até cansar. E o vento começando a soprar. E o peixe não parava para tomar fôlego. Um monstro, com certeza. Uma luta demorada. O mar recuando, como um bodoque esticando para ganhar energia. Como uma mola sendo comprimida. E se o Cléo Kühn estivesse errado? A linha quase no finzinho. Momento de pânico! As últimas voltas e começava a aparecer o carretel. Um temporal se aproximando. Na cabeçada final o peixão estourou o nó do carretel, chacoalhando a vara e levando toda a linha enquanto o mar parecia uma parede de água.
Recolheram tudo de qualquer jeito e pularam para dentro da camionete.
Saíram levantando areia momentos antes que o bodoque fosse disparado. O mar atingiu as dunas e tocou terra o "landfall*" do fenômeno climático identificado como 01.L NONAME pelo Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos, ou como 1-T Alfa pelo Met Office da Inglaterra, ou ainda, como “um ventinho” pelo Cléo Kühn, mas, infelizmente, ficou famoso como “Catarina”.

*landfall: quando o olho dos ciclones tropicais no oceano move-se sobre a terra. O lugar exato onde ocorreu um landfall sofre os maiores impactos. É exatamente na área onde ocorre o landfall que recebe os ventos mais fortes encontrados na parede do olho, onde acontece o pico de elevação da maré de tempestade e também onde ocorrem as chuvas mais fortes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário